Nos bastidores da fé

Blog de crítica ao teísmo, em defesa do racionalismo e da ciência. Pretende abordar assuntos sob o tema "deus" e suas idiossincrasias.


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quinta-feira, setembro 09, 2004


Porque desconfio dos agnósticos

Ultimamente venho travando grandes discussões acerca deste tema. E tenho notado, digo, confirmado, o quanto arrogante e pretensioso somos. Raro é encontrar alguém que reflita sobre uma nova idéia, e, refletindo, conclua algo diferente do que pensava anteriormente. Esse texto tem como objetivo esclarecer os significados desta doutrina, e apresentar uma visão crítica em relação à mesma.


Os pontos observados

O que há de tão incômodo nos agnósticos?

1 - Normalmente eles desconhecem o significado desta doutrina, e costumam achar que estão no meio termo entre o teísmo e o ateísmo. Afirmam ainda que essas três coisas são inconciliáveis, o que certamente deriva da idéia equivocada de que todo ateu é crente na inexistência divina.

2 - Alguns utilizam esse termo por medo da possível repreensão que possam vir a receber ao assumirem seu ateísmo. Essa é uma posição de extrema covardia intelectual, demonstrando um medo quase infantil de se assumir a verdadeira imagem.

3 - O termo, sendo utilizado honestamente, é de uma pretensão sem fim, pois sustenta uma descrença justamente numa crença. E como toda crença, não apresenta lógica e/ou provas, fundamentando-se assim numa evasiva.


As origens

O termo "agnosticismo" foi forjado em 1869 por Thomas H. Huxley (1825-1895, biólogo inglês) nos seus Collected essays, calcado, por oposição ao gnosticismo, que era o conhecimento-referência nos primeiros séculos de nossa era, baseado num caráter sincrético e esotérico, desenvolvido à margem do cristianismo institucionalizado, combinando misticismo e especulação filosófica. Ocorre que a origem da palavra "gnosticismo" é anterior a esse movimento. Vindo do grego gnóstikós, o termo "gnóstico" ou "gnose" significa ação de conhecer, conhecimento, ciência, sabedoria. No mesmo grego temos que ágnóstos ou "agnóstico" pode significar duas coisas, tendo em vista que a preposição "a" pode assumir tanto a função de ausência como de negação. Sendo assim, temos respectivamente as seguintes acepções: 1 - aquele que não tem conhecimento, que é ignorante; 2 - aquele que nega ou descrê do conhecimento, que julga o saber como algo incognoscível. O que Huxley fez, aliado a uma assumida dose de ironia, foi criar o vocábulo como antítese ao gnóstico da história da Igreja, que sempre se mostrava ou pretendia mostrar-se sabedora das coisas que ele, Huxley, ignorava. E foi como naturalista, afeito às coisas e relações da ciência experimental, que ele utilizou-se do termo com tal conotação crítica e ironia. Já em 1879, Charles Darwin chamava-se a si mesmo de agnóstico, em carta, já com essa significação. O temo em francês (agnosticisme) já se documenta oficialmente em 1886, divulgando-se rapidamente nas formas correlatas das línguas modernas.

Podemos perceber então que há uma pequena diferença entre a origem de tais termos e a adaptação realizada por Huxley. O termo "agnóstico", seguindo as origens extremas, significa aquele que nega o conhecimento. Ou, por derivação, como atualmente costuma-se dizer: "doutrina que reputa inacessível ou incognoscível ao entendimento humano a compreensão dos problemas propostos pela metafísica ou religião (a existência de Deus, o sentido da vida e do universo etc.), na medida em que ultrapassam o método empírico de comprovação científica" (fonte: Dicionário Houaiss). Definição essa que, de certa forma, aproxima-se mais da idéia de Huxley. Mas é sempre importante lembrar que, mesmo o termo tendo sido forjado pelo biólogo inglês, sua derivação é do grego, que antecede sua época. Assim, podemos evidenciar que não há necessariamente um vínculo desta palavra com a Igreja. Ademais, atualmente não faz mais sentido utilizar a palavra "agnóstico" com o mesmo significado pretendido por Huxley, visto que não temos mais como conhecimento-referência a Igreja, mas sim a Ciência.


Conciliando termos distintos

Ao contrário do que normalmente se pensa, pode-se ser agnóstico e ateu (o que é o mais comum atualmente), agnóstico e teísta, não agnóstico e ateu e não agnóstico e teísta. Quem explica bem essa idéia é André Cancian, em seu livro "Ateísmo e Liberdade - Uma introdução ao livre-pensamento".

"É errado pensar no agnóstico como um indivíduo "meio-termo" entre as duas perspectivas, ou seja, que não afirma nem nega Deus, supostamente representando uma posição de "questionamento sensato" em vez de um extremismo ateu. O agnosticismo certamente não é uma "terceira opção" entre o teísmo e o ateísmo, e é fácil evidenciar o porquê. (...). O agnosticismo não é necessariamente ateístico. A rigor, ele fica alheio ao dilema ateísmo/teísmo, e diz respeito a uma questão que é apenas epistemológica, ou seja, que concerne à possibilidade de se obter conhecimento acerca de algum assunto - que, segundo tal visão, seria "ininteligível" ou "incognoscível". Para deixar a idéia clara, só precisamos mencionar o fato de que, além do agnosticismo ateísta, que é o mais comum, também há o agnosticismo teísta, que aceita a existência de Deus, apesar de julgar a natureza divina absolutamente imperscrutável à mente humana.

Portanto, como podemos perceber, não existe um meio-termo entre "acreditar" e "não acreditar", ou seja, entre teísmo e ateísmo. Afirmar "acho impossível saber com certeza" não é uma resposta, mas uma evasiva. O que comporta um meio-termo, na verdade, é a lacuna que fica entre a negação de Deus e a afirmação de Deus, e tal lacuna corresponde ao ateísmo cético, não ao agnosticismo.

O agnosticismo, em geral, é uma posição adotada erroneamente por aqueles que não são teístas, mas que na verdade não consideram a existência de Deus uma hipótese absurdamente improvável, como alguns ateístas mais fervorosos. Mas, sem dúvida, os agnósticos desse tipo são, tecnicamente, ateus. Provavelmente muitos se denominam como tais porque têm receio do estigma social vinculado ao ateísmo, que é muito forte; daí darem preferência a termos que soam mais brandos, como "agnóstico"."



Um pequeno esclarecimento

Apesar de muito utilizados, os termos "teísmo" e "ateísmo" são muito mal empregados. Vejamos então o que cada um significa:

"Teísmo", do grego theós (deus) + ismós (doutrina, princípio religioso, ato, prática, conduta, hábito, ação etc). Dessa forma temos que "teísmo" é a doutrina que considera um deus, o ato de crer em deus. É claro que existem muito tipos de teísmo, mas isso não é importante nesse momento.

"Ateísmo", do grego átheos (a + theós) + ismós. Da mesma forma que a palavra "agnóstico" possui duas acepções em função do duplo significado da preposição "a" (negação ou ausência), o ateísmo também pode ser basicamente divido em dois: 1 - aquele que nega a existência de deus; que é crente na inexistência divina (ateísmo ativo ou crítico); 2 - aquele que desconsidera deus, que não acredita em deus (ateísmo passivo ou cético).

E é exatamente essa segunda acepção da palavra "ateísmo" que grande parte das pessoas parece esquecer, incluindo, claro, os agnósticos. André Cancian resume muito bem essa dúvida no seguinte trecho do seu livro:

"(...) A posição ateísta, em si mesma, não é "positiva", não possui qualquer "conteúdo", pois não representa algo, mas apenas a ausência de algo. O ateísmo só existe enquanto uma rejeição (ou negação, no caso do ateísmo ativo) de algo largamente aceito que, no caso, é o teísmo. Deste modo, o ateísmo não exige qualquer espécie de descrição prática, pois nesta classificação, aquilo que os ateus fazem de suas vidas não é levado em consideração absolutamente. Ao contrário de outros ismos, como cristianismo, judaísmo, espiritismo, xintoísmo, hinduísmo, islamismo, o ateísmo não é um "estilo de vida" nem uma doutrina dotada de um corpo de conhecimentos, mas somente uma classificação objetiva do posicionamento ou estado intelectual do indivíduo em relação à idéia de Deus. Portanto, o ateísmo não possui natureza análoga às religiões."


Incoerência e pretensão

Como já vimos, atualmente não há mais sentido empregar a palavra "agnosticismo" com o significado utilizado por Huxley, visto que tal termo foi forjado por ele justamente como uma crítica sarcástica ao gnosticismo (conhecimento) de sua época, completamente inexorável e dominado pela Igreja. Tendo em vista o atual laicismo, e a preponderância da ciência, só resta utilizar tal termo com seus dois outros significados primordiais. Como a primeira acepção é pouquíssimo utilizada e útil, já que temos palavras mais comuns e populares como "ignorante", "inexperiente", "desconhecedor", "burro", "inculto" etc. que substituem perfeitamente o termo, sobra então sua última acepção.

O que parece estranho é a tentativa desta doutrina negar ou julgar incognoscível o conhecimento. Ora, tudo o que a humanidade tem, desde a roda até o surgimento da era digital, é fruto do raciocínio e do conhecimento cumulativo. E é graças a isso também que podemos prever inúmeros acontecimentos. Como considerar então uma doutrina que nega o que comprovadamente já existe?

A única opção que nos resta é admitir que o agnosticismo apenas afirma ser incognoscível a metafísica. Mas essa idéia parece muito conformista e segura de uma situação que no momento somos incapazes de mudar (nossa atual ignorância diante as questões fundamentais). E o pior, é uma afirmação alicerçada numa evasiva, já que não traz nenhum indício de seu conteúdo. Realmente gostaria de saber de onde vem a certeza de que nós humanos jamais iremos compreender a razão última das coisas. Seriam mesmo incognoscíveis tais questões? Será que pelo fato de não sermos atualmente capacitados a responder as questões metafísicas, estaremos então fadados a nunca saber? Não seria essa uma posição precipitada? Não seria o agnosticismo uma doutrina sustentada única e exclusivamente numa crença, ou numa espécie de ceticismo pirrônico? Talvez seja mais humilde admitirmos nossa atual ignorância diante tais questões, e considerar que, com o crescente progresso do conhecimento e da tecnologia, possa haver (ou não) alguma resposta, mesmo que parcial.

E é somente por isso que desconfio dos agnósticos.

Rafael Delerue
9 de setembro de 2004
# posted by Delerue @ 2:23:00 AM  ::